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O Movimento que Dá Voz à Natureza: A Série 'Habitat em Ameaça' e a Luta de Paulin Heredia

Atualizado: 1 de jul.


O conceito de dar voz à natureza e reconhecê-la como sujeito de direitos tem ganhado força globalmente, impulsionado por ativistas, advogados e organizações ambientais. Esse movimento visa garantir que a natureza não seja apenas um recurso explorado, mas um ente protegido, com direitos inerentes.


Na nossa série documental, "Habitat em Ameaça", destacamos a conexão entre o ser humano com o seu habitat natural, colocando a natureza como protagonista e explorando histórias de resistência e conservação. No episódio de Iquique, conhecemos Paulin Heredia, a advogada ambiental que decidiu processar o governo chileno para salvar o paraíso natural de Iquique, no Deserto do Atacama.


Paulín Heredia na série documental "Habitat em Ameaça", episódio Iquique | Foto: Hdaniel Studio


"Habitat em Ameaça": Natureza como Protagonista


"Habitat em Ameaça" é uma série documental que explora a intersecção entre esporte e natureza, mostrando como a prática esportiva em ambientes naturais pode ser um motor para a conservação desses espaços. A série se destaca ao transformar a natureza em protagonista, dando voz aos ecossistemas ameaçados e às pessoas que lutam por sua preservação. Com uma abordagem sensível e informativa, a série destaca a importância de reconhecer os direitos da natureza e a necessidade urgente de protegê-la.


A Luta de Paulin Heredia em Iquique


No episódio de Iquique, somos apresentados à inspiradora história de Paulin Heredia, uma advogada ambiental determinada a combater o problema dos lixões clandestinos de roupas no Deserto do Atacama. Iquique, conhecida por suas dunas e natureza exuberante para esportes radicais, também enfrenta uma grave crise ambiental devido ao descarte ilegal de toneladas de roupas usadas. Esses lixões são tão vastos que podem ser vistos do espaço, criando um "Deserto de Roupas" que ameaça o ecossistema local e a saúde das comunidades próximas.


Pablo Guerrero Tapia na série documental "Habitat em Ameaça", episódio Iquique | Foto: Hdaniel Studio


A Decisão de Processar o Governo


Nascida em Iquique e profundamente conectada à sua terra natal, Paulin Heredia decidiu agir. Em março de 2022, ela iniciou um processo judicial contra o governo chileno e outras autoridades regionais, acusando-os de inação e negligência. Heredia argumenta que a acumulação massiva de roupas descartadas no deserto, conhecida pelos residentes de Alto Hospício desde 2012, representa um grave dano ambiental e coloca em risco a saúde das pessoas.


"Por suas sistemáticas condutas negligentes, omissivas e de falta de serviço, que geraram um grave e significativo dano ambiental; e pela colocação em risco da vida e da saúde dos habitantes da comuna de Alto Hospício, assim como pela afetação de um território de altíssimo valor ambiental e seu ecossistema", afirma Heredia na ação judicial.

Impactos Ambientais e Sociais

 

Os lixões têxteis não só degradam o ambiente visual e ecológico, mas também representam um risco direto para as comunidades locais. As roupas descartadas, feitas principalmente de fibras sintéticas derivadas do petróleo, não se biodegradam e, quando expostas ao calor, resultam em incêndios que afetam a qualidade do ar e a saúde dos moradores. A cidade de Alto Hospício, uma das mais pobres do Chile, está particularmente vulnerável a esses impactos, evidenciando a injustiça ambiental sofrida por suas comunidades.

 

Lixão no deserto do Atacama, próximo a Alto Hospício | Foto: Hdaniel Studio


O Processo em Curso

 

O processo movido por Paulin Heredia está em fase de sentença, com o tribunal solicitando ao Conselho de Defesa do Estado do Chile que proponha medidas de reparação, compensação e mitigação. Em uma reunião marcada para 17 de junho, Heredia espera avanços significativos em direção a uma solução consensual e tecnicamente respaldada. O caso destaca a necessidade urgente de regulamentar a importação de roupas usadas e encontrar soluções sustentáveis para o descarte desses resíduos.

 

A Conexão com o Movimento Global

 

A história de Paulin Heredia reflete um movimento global crescente que reconhece a natureza como sujeito de direitos. Esse movimento busca transformar nossa relação com o meio ambiente, promovendo a responsabilidade e a sustentabilidade. A luta de Heredia é um exemplo poderoso de como a ação individual e comunitária pode enfrentar desafios ambientais globais, inspirando outros a seguirem seu exemplo.


Paulín em entrevista para a série documental "Habitat em Ameaça", episódio Iquique | Vídeo: Hdaniel Studio


Em entrevista exclusiva com a reportagem da Go Outside, Paulin fala sobre os problemas dos lixões de roupa em Iquique

Qual é o tamanho atual destes lixões ilegais?

Em primeiro lugar, é importante mencionar que só existem volumes aproximados. O único dado concreto é a entrada de toneladas de roupas de segunda mão. São aproximadamente entre 60 mil e 44 milhões de toneladas que entram anualmente pela zona franca de Iquique, cujos resíduos são depositados ilegalmente em diferentes pontos da comuna de Alto Hospício, território inserido no Deserto do Atacama.

Estima-se que a quantidade de tecidos descartados no meio do Atacama pese entre 11 mil e 59 mil toneladas. No entanto, não há informação oficial sobre quantas toneladas são anualmente depositadas no Deserto do Atacama nos lixões ilegais, nem os hectares afetadas por esses resíduos.


Existe algum ponto mais delicado?

O lixão têxtil mais representativo do fast fashion foi o vertedouro localizado no setor La Mula, na comuna de Alto Hospício, cujas imagens impactantes circularam pelo mundo. Porém, a problemática é muito mais complexa, pois atualmente existem uma série de micro lixões espalhados pelo Deserto do Atacama. Durante o julgamento que iniciei contra o Estado, a secretaria regional de meio ambiente mencionou um cadastro de lixões ilegais. São centenas, mas atualmente já surgiram novos lixões têxteis na área.


Existe alguma solução para este problema dos lixões a céu aberto no Atacama?

Eu acredito que as soluções existem, não estamos descobrindo a pólvora, mas, ao que parece, o que às vezes não existe é a vontade de solucionar essa problemática e assumir a responsabilidade como estado chileno, que permitiu por décadas a entrada desses resíduos sem maior regulação ou exigências. A solução, em todo caso, deve levar em conta a realidade socioambiental do território, e partir do entendimento de que o lixo não existe, é uma construção cultural ou social, pois existem experiências em que todos esses resíduos têxteis não apenas podem ser reutilizados, mas podem derivar em outros produtos, como é o caso dos painéis térmicos isolantes do frio.


Existem muitas alternativas que vão desde efetivamente implementar um local adequado para a disposição final desses resíduos em condições adequadas, garantindo que não representem risco para o meio ambiente ou para as pessoas, até entender que essa situação é o símbolo político de uma realidade muito mais complexa, que está relacionada às formas de consumo impostas e suas consequências, os efeitos da cultura predominante da fast fashion, do consumo de um só uso, do plástico, entre outros. Isso nos mostra que tudo tem, mais cedo ou mais tarde, suas consequências, todas as decisões econômicas que tomamos como estado devem considerar essas consequências. Enquanto que, na Europa ou nos Estados Unidos, as indústrias têxteis cumprem com a normativa ambiental, todo o seu resíduo têxtil vem parar no deserto do Atacama, no Chile.


Portanto, uma opção, embora mais extrema, é, em definitivo, proibir a entrada desse tipo de produto, ou regulá-lo adequadamente. Não pode ser que cheguem fardos com centenas de sapatos ou calçados sem o par, o que é isso? Sem um tratamento adequado, é lixo; com um processo de disposição adequado, pode ser uma matéria-prima, depende da perspectiva que se olhe, mas sempre serão necessários recursos, vontade e responsabilidade estatal e empresarial.

Como um ponto central de qualquer solução, sempre deve estar a educação e conscientização ambiental, como desenvolver ou recuperar nas pessoas o sentido de pertencimento, enraizamento e habitat, em relação aos lugares que habitam, seu entorno natural, e o sentido de pertencimento a um ecossistema natural mais amplo do que podemos perceber, e a conexão harmônica que existe entre os humanos e a natureza.


Paulín Heredia na série documental "Habitat em Ameaça", episódio Iquique | Foto: Hdaniel Studio


Aqui no Brasil recentemente tivemos as grandes inundações no Rio Grande do Sul, que evidenciaram ainda mais o problema do lixo nas grandes cidades. Você acompanhou essa tragédia? 

Sim, é uma verdadeira tragédia socioambiental o que o Brasil tem vivido. Embora a mudança climática seja um fator determinante na gravidade ou intensidade dos fenômenos climatológicos, igualmente determinante para conter esses processos e seus efeitos são precisamente aquelas medidas de adaptação à mudança climática e de mitigação de seus efeitos. Um elemento fundamental para assumir com responsabilidade e previsão esse fenômeno é priorizar e manter as barreiras de contenção naturais, refiro-me, por exemplo, à manutenção da vegetação nativa que serve como barreira natural para as enxurradas e movimentação de terra geradas pelas chuvas.


Infelizmente, como ocorre também em meu país, o corte indiscriminado de floresta nativa justamente afeta ou altera essa barreira natural; o crescimento inorgânico dos centros urbanos vai roubando espaços naturais fundamentais para a contenção dos fenômenos naturais. Por outro lado, ou outro exemplo, é o respeito e manutenção dos cursos naturais, frequentemente acontece de invadirmos o caminho, a trilha natural da água, por assim dizer, vamos construindo em cursos de rios, ou acumulamos resíduos em lugares que historicamente correspondem a esse passo da natureza, a água tem memória, no entanto, os humanos às vezes não temos. Isso por um lado.


Por outro, essas catástrofes nos mostram o grave fenômeno da acumulação às vezes excessiva de, por exemplo, eletrodomésticos, móveis e outros produtos, e a vulnerabilidade à qual nos enfrentamos na hora de lidar com os resíduos desses. Além disso, em uma situação de normalidade, pelo menos em nosso país, não existe onde dispor adequadamente esses resíduos. O que fazemos com esses resíduos, como uma máquina de lavar quebrada? Como os descartamos? Para o fabricante é muito mais rentável nos vender um produto novo do que dar um segundo uso ao elaborado. Daí, por exemplo, abrir a discussão pública e política sobre medidas como a proibição da obsolescência programada dos eletrodomésticos, bens tecnológicos, entre outros, e entre outras medidas. Imagino que vocês enfrentem um desafio em comum conosco, o que fazemos com todo esse “lixo” que não é orgânico ou biodegradável, mas puramente industrial? Impossível de se decompor naturalmente ou se tornar parte de um processo natural para retornar à natureza de forma inócua para ela, ou para o ser humano, como ocorre, por exemplo, com um resíduo orgânico. Isso nos leva a um ponto de inflexão do qual devemos, como estados, nos responsabilizar.


Ou paramos e nos responsabilizamos pelos efeitos não só do excesso de consumo, mas também dos materiais que consumimos, pois uma vez que entendamos que o lixo não existe e que, assim como outros produtos ofertados em um sistema capitalista, no mercado, gera dinheiro e capital, talvez os ganhos não sejam tão estratosféricos como os obtidos com produtos elaborados a partir do plástico e da exploração laboral, ou outros, mas sempre haverá consumidores responsáveis e conscientes dispostos a investir ou a pagar mais em favor da sustentabilidade do nosso planeta. Ou teremos que continuar sofrendo as consequências ambientais, sociais, econômicas, laborais, entre outras, deixadas por esses eventos naturais, por não entender que o único que está em perigo em um cenário de mudança climática, na minha opinião, não é a natureza, mas sim a raça humana.

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